14/05/2011

frango

Desde a mais tenra idade, até meus dezessete anos, eu fui goleiro. Aos que pouco me conheciam, dizia que tinha escolhido a posição por conta própria, devido a minha altura privilegiada. Aos que me conheciam mais a fundo, não havia o que fazer, senão baixar a cabeça, acatar a ordem de todos presentes em quadra e rumar para meu fatídico e injusto posto entre os postes. Ser goleiro, no colégio, é uma humilhação. É resultado de uma decisão grupal, unânime de que você irá atrapalhar o time caso fique em outra posição. Significa um golpe mortal na auto-estima de uma criança, que tem que admitir a si mesma que o futebol não é o seu forte, e que seus colegas estão realizando um grande ato de caridade ao deixá-la, ao menos, jogar no gol. Melhor do que não jogar. O problema é quando vem o frango. Ora, por que deveria esta criança ouvir as reclamações dos amigos pelo gol humilhante, quando foram os próprios camaradas que o elegeram para esta posição, sabendo de suas limitações. Se o pobre garoto não seria bom no ataque, na armação ou na defesa, o que faria dele um bom arqueiro? Afinal, por um lado, estar no gol, significa não estar na linha, ou seja, não há a possibilidade de atrapalhar um companheiro; mas por outro, significa estar na guarda do ponto mais cobiçado pelos atacantes. Não seria burrice, portanto, colocar um rapaz desprovido de agilidade e técnica num local tão crucial? Não importa. Garotos como este sempre existirão. E sempre que sofrerem um frango, serão dolorosamente castigados por seus colegas. Já no futebol profissional, o goleiro não é mais aquele que não sabe jogar; mas sim um jogador treinado, capacitado, que tem na agilidade, no reflexo e na coragem, seus pontos fortes. Ainda assim, pode-se fazer uma analogia entre aquele pobre garoto e o goleiro de uma grande equipe. Bem ou mal, o arqueiro não está na área adversária porque não sabe fazer gols; não está no meio campo porque não sabe passar a bola; não está na defesa, por não ser tão forte. No final das contas, ele está debaixo das traves por decisão do grupo e dele mesmo.
Quando um atacante perde um gol, ouve um "UUH", mas logo acompanhado de aplausos e gritos de apoio. Quando um goleiro sofre um frango, é duramente e injustamente castigado pelos milhares de torcedores, que não irão pensar em todas as dificuldades de guardar um posto tão ambíguo, que por se encontrar na extremidade do campo se trata do local menos percorrido pelos jogadores, mas que por isso mesmo representa um símbolo de vitória, um prêmio àquele que conseguiu atravessar o mar de zagueiros e volantes para, gloriosamente, receber o seu troféu no ponto final de uma jornada épica. Se esta conquista foi alcançada através de uma falha do goleiro, méritos ao cavaleiro, que venceu a batalha; e fogo ao guardião insolente, que não exerceu seu papel de forma satisfatória e, por isso, merece ser punido. Como sempre, o mocinho, o goleador, foi nomeado o grande salvador, enquanto que aquele que foi ferido por tão nobre lutador, é o eterno malfeitor, simplesmente por ter se deixado ferir.
O frango é uma fatalidade, causada pela bola molhada, pelo ar rarefeito. Mas não importa o quanto um goleiro seja bom, o quanto faça defesas milagrosas; no momento em que frangar (e este momento sempre irá existir), será vaiado e xingado pelos espectadores daquela partida e será sempre marcado como o grande culpado pela derrota.

3 comentários:

  1. nunca tinha me detido assim sobre essa ambiguidade da posição do goleiro.
    david, você não analisa futebol, mas interpreta futebol. e é por isso que seus textos são tão bons.

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  2. Eu defendo há anos que o futebol tinha que abolir a figura do goleiro. Além de dar mais emoção aos jogos, evitaria o sofrimento de muitos jovens.

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  3. David, pense no N.E.R.D. quem mais poderia ir pro gol? você não foi escolhido por ser o pior, mas por ser o único com alguma chance de pegar algumas bolas... nem sempre o goleiro amador é injustiçado por ser ruim, afinal você era, sem dúvidas, um dos melhores jogadores daquele time... na linha teria feito muito mais do que o Marcos, do que o Lucas, do que o Pedro, do que o Saidon (que até driblava mas parava pra pensar ao invés de chutar), do que eu, que realmente não jogo nada (pelo menos supero os dois primeiros nomes)... mas cara se quem iria pro gol? não fique triste, você estava lá por ser o melhor... só que tomar dois gols de cobertura foi sacanagem...

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