27/07/2014

Maomé e a montanha: por que atravessá-la?

Uma das principais barreiras ao desenvolvimento do socialismo é o sentimento de vingança que impulsiona diversos proletários - num sentido contemporâneo do termo, se é que isso existe - a concentrarem suas ambições na tomada do poder do patrão, para tornarem-se tão ou mais poderosos que ele. A ganância, portanto, é um dos fatores que estimulam a sociedade a seguir o fluxo da economia de mercado, de tal forma que, ainda que um trabalhador de base seja capaz de escalar a montanha social, ele próprio tenda a se converter numa nova engrenagem do sistema, adquirindo novos meios para chegar sempre um pouco mais perto do topo. Poucos são aqueles que se recusam a escalar e se dedicam a tentar derrubar a montanha. Quem sabe, se outros enxergassem essa segunda alternativa, quiçá estaríamos mais próximos de alcançá-la. De certa forma, algo parecido ocorre no conflito entre Israel e os palestinos. A principal premissa deste conflito, assim como a de qualquer outro que já envolveu Israel, é a disputa territorial. A escassez de terras e recursos na região é tamanha, que torna impensável pensar numa solução que não passe por desapropriações e posses de território em locais específicos do país. Ainda que haja uma intensa disputa entre o fundamentalismo do Hamas e o fascismo da extrema direita de Israel, e que ela impulsione boa parte do ódio semeado dos dois lados, a terra é ainda o grande capital em disputa. Dessa forma, é possível entender que quanto mais área se possui, mais perto do topo - daquela mesma montanha - se está. Israel encontra-se portanto, numa comparação com Gaza, em algo próximo do cume do Everest, já muito além da visão dos palestinos; estes ainda distantes do pé da montanha, mais rentes ao centro da terra. Seguindo essa mesma linha, temos que os palestinos podem ser relacionados com os proletários, os israelenses com os patrões, a conquista de terra como a escalada social e a paz como a solução alternativa. Da mesma forma que a busca por vingança barra a possibilidade de um proletário abraçar sua causa trabalhista, e buscar unir-se a outros em comum para tentar desviar o curso natural do atual fluxo socioeconômico; o desejo de total "devolução" de todo o território de Israel para os árabes enfraquece uma alternativa pacífica. É justamente essa busca por vingança que dá energia a grande parte dos grupos que lideram massas não só em países árabes, como no mundo todo, vide o recente ocorrido numa manifestação em Paris (além de outros que nem chegam ao nosso conhecimento). Facções como o Hamas, o Hezbollah, o Fatah, têm como principal objetivo a expulsão de todos os judeus de Israel, rebaixando assim os israelenses ao posto que agora ocupam, dando continuidade ao fluxo de guerras que hoje se segue. Fica assim a pergunta: quem sabe, se outros enxergassem uma segunda opção, a da destruição da montanha que separa Israel da palestina, ou seja, a nivelação das condições para ambos os lados, quiçá estaríamos mais próximos de alcançar a paz. A destruição tende a vir como caminho natural, simplesmente porque o desejo de vingança fala mais alto que o desejo de procurar uma solução humanitária. O "direito de Israel se defender" é tão falacioso quanto o direito dos grupos terroristas se proclamarem resistentes, pois ambos assumem que a única resposta ao conflito é um novo ataque, um novo alarme, anunciando que o fluxo está seguindo conforme o esperado. Existe sim uma solução alternativa que contemple as necessidades dos dois lados, e o primeiro passo para que ela se concretize é o abandono do que hoje se pratica; para então começar a pensar numa nova abordagem, que envolva necessariamente a retomada da partilha de 1948, a injeção de bilhões - trilhões - em Gaza e Cisjordânia, a derrubada dos muros e extinção dos checkpoints que controlam o ir e vir dos palestinos, a dissolução e o desarmamento dos grupos terroristas, a democratização dos recursos - principalmente a água -, o reconhecimento de que tanto judeus quanto palestino merecem um território próprio e o estímulo de um espírito de coletivismo e tolerância na região. É claro que soa muito bonito escrever isso, mas buscar a utopia não é um caminho sempre fadado ao fracasso. O intuito principal deste texto não é propor uma resposta inovadora para o conflito - até porque o que está escrito logo acima não é nenhuma novidade -, mas sim tentar construir uma mentalidade que questione o que tende a ser tomado como premissa; e a partir dela, buscar o apoio de outros com pensamentos semelhantes, para que, juntos, ambos os lados, sejam capazes de destruir essa montanha. Se fazemos tanta questão de dizer "proletários do mundo, uni-vos!", o que nos impede de gritar "semitas [e simpatizantes] do mundo, uni-vos!"? Daqui de São Paulo, o que posso fazer é apelar aos dois lados que bem conheço, o dos judeus-que-desejam-uma-solução-humanitária, composto por uma pequena parcela da comunidade judaica; e o dos palestinos-que-desejam-uma-solução-humanitária, composto por uma pequena parcela da esquerda - quase sempre - não judia, para que deixem de brigar entre si e comecem a perceber que há outros caminhos a serem percorridos.

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