15/06/2011

pênalti

Especialistas no ramo da psicanálise concordam que uma pessoa precisa passar por certas experiências para poder crescer, amadurecer. Brigar com os pais, apanhar, levar um fora, ser traído, todas estas são ocasiões que, por serem inusitadas, exigem uma atitude diferenciada daquele que as recebe que, por sua vez, a medida que é atingido, cria diversas maneiras de lidar com tais experiências. Alguém que não enfrentou essas vivências até a vida adulta certamente terá dificuldades em encarar uma frustração da vida cotidiana. Uma bronca do chefe, ou até mesmo um arranhão no joelho será, para este indivíduo, uma situação de extrema tristeza e desilusão, levando-o, em casos extremos, ao suicídio.
Não sou psicanalista, mas afirmo, com muita segurança, que uma dessas experiências é a do pênalti. Ninguém sabe do que é capaz, ninguém sabe o que é ser pressionado até ter que cobrar ou defender um pênalti. Os dois lados são intensamente e indescritivelmente tensos e emocionantes.
O cobrador lida com uma pressão monumental. A pressão de pelo menos um milhão de loucos apaixonados, que fariam qualquer coisa pelo clube, inclusive esganar um pobre atacante que perdeu o pênalti decisivo. A pressão de estar na situação mais favorável possível: bola parada e ajeitada a onze metros da baliza, sem nenhum marcador entre ele e o gol, apenas um goleiro estático à sua frente, que irá se mover apenas no último instante. A pressão da liberdade, de poder chutar onde quiser e contar com o elemento surpresa. A pressão de ter a bola do campeonato, de se tornar um herói, uma lenda. Imagine pensar em tudo que este pênalti significa enquanto coloca a bola na marca de cal e toma distância para o arremate, à medida que levanta a cabeça e vislumbra os milhares de torcedores que o aplaudem e gritam o seu nome. O quão amedrontador é ser o protagonista? Nada se compara a essa pressão.
E do outro lado se encontra aquele destinado a acabar com o sonho deste atacante. O goleiro está na situação oposta à do cobrador. Para ele, não há pressão, não há responsabilidade, ninguém o culpará por não defender o lance mais indefensável do futebol. Mas todos o glorificarão caso defenda o pênalti. O arqueiro se encontra na circunstância mais agradável possível, embora esteja na situação mais complicada para alguém em sua posição. Por mais que à sua frente se encontre o artilheiro do time adversário, livre para chutar com a força que quiser e onde quiser; e por mais que seus movimentos estejam limitados a se mover para os lados, este goleiro sabe que o batedor carrega uma pressão mais pesada que o estádio do Maracanã.
A grande pergunta é, quem está em vantagem? O cobrador, por ter o gol aberto à sua frente, ou o goleiro, por ter a mente livre de olhares maliciosos?

07/06/2011

o antropofágico futebol ronaldal

Muitos, incluindo este que aqui escreve, ficam extremamente incomodados com o codinome de Ronaldo: fenômeno. Para estes muitos, o apelido foi criado pela Globo e, portanto, foi criado basicamente por questões publicitárias. Se havia um novo Ronaldinho (o gaúcho), Ronaldo precisava de um nome para ser diferenciado. E este "fenômeno", que é mesmo um fenômeno, agora é um segundo nome, para um jogador que de tão fenomenal, deveria ter seu nome nos dicionários como um adjetivo refinadíssimo, usado em ocasiões extremamente especiais, como num voto de casamento, ou num comentário sobre o prato da avó, ronaldal. Imaginem que incrível seria ser elogiado com uma palavra que remete a um personagem tão ilustre. Ronaldo não deveria precisar de um adjetivo (até por que nenhum adjunto adnominal é suficiente para qualificar sua carreira), seu próprio nome já é adjetivo suficiente para descrevê-lo.
Um de meus primeiros textos sobre futebol foi baseado neste grande jogador. Meu pai, um de meus confidentes futebolísticos, comentou que via em Ronaldo o primeiro ou segundo depois de Pelé. Certamente, esse é o tipo de comentário que merece, ao menos, um chopp e uma fomentada discussão. O período de tempo entre as épocas de glória de Pelé e Ronaldo, é extenso o suficiente para que pelo menos vinte jogadores platonicamente excepcionais tenham mostrado sua grandeza, antes da aparição do "fenômeno". Zico, Ademir da Guia, Falcão, Rivelino, Sócrates, Careca, Raí, Romário, Túlio Maravilha, Roberto Dinamite, Kruyff, Beckenbauer, Zidane, Platini, Baggio e Figo são alguns exempos. Mas nem mesmo Maradona poderia destronar Ronaldo de seu posto confortável na mente de meu pai. A resposta: nenhum destes se compara ao que o artilheiro das copas fez em pouco mais de quinze anos de carreira. O porquê: por mais incrível que tenha sido o futebol jogado por estes craques, nenhum se iguala ao praticado pelo fenômeno; só o jogo de Ronaldo era ronaldal. Um jogo plástico, rápido, eficiente, envolvente, lento, feio, catimbeiro, oportunista, forte, corpal, leve, angustiante, imprevisível, previsível. Ronaldo colocou em prática o antigo moderno canibalismo brasileiro e criou um futebol antropófago. Um futebol com a elegante potência dos holandeses; com a dura beleza dos italianos; com a calorosa habilidade dos espanhóis; com o catimbado gingado brasileiro.
Não tenho certeza se Ronaldo é o segundo ou sequer o terceiro melhor da história, mas que o antropofágico futebol ronaldal merece cadeira cativa, na seleção de lugares reservados para aqueles que transformaram este esporte em obra de arte, merece.
De qualquer maneira, obrigado Ronaldo, por oferecer ao mundo este espetáculo que é o seu futebol, que já fez crianças como eu caírem de joelhos ao presenciar tanto brilhantismo pela primeira vez na vida. Obrigado por ressucitar um time com a sua própria ressureição e por encantar uma torcida com tanta simplicidade.